#46

Flávio Porto
2 min readNov 14, 2023

minha cabeça dói. quero me forçar a escrever enquanto meu peito coça por dentro. há muito que não escrevo. há muito tempo não consigo me entender no mundo, estar no mundo. a noite está quente. o ventilador não suporta dá conta de seu trabalho. eu também não. as motos passam quase gritando socorro, eu, da janela, conto a quantidade de luzes em movimento na estrada ao longe. a casa da esquina toca mpbs antigos, e vejo um senhor numa cadeira de balanço de fio plástico balançando a sandália no ritmo do som. o mundo parece não atrapalha-lo. ele está em si. o invejo por segundos suficientes pra me sentir mal. volto a contar as luzes como maneira de fuga, acrescento postes, casas; separo cores quentes das frias; conto as frias, a noite está quente. minha cabeça dói.

volto os olhos pra dentro mas ainda me apoio na janela. tudo está bagunçado, mas não me questiono mais sobre. não como antes. retorno ao céu. uma névoa começa a ganhar corpo. ou talvez seja fumaça que meu nariz ainda não conseguiu identificar. ou minha vertigem voltou a brincar com meus sentidos. ou imaginação. o fim deve ser bonito. tem que ser. minha cabeça dói. esfrego os olhos por baixo dos óculos; a névoa se foi, a música se foi, o senhor se foi. não sei quanto tempo fiquei com a mão nos olhos. mas estou aqui. ainda é o inicio da noite. ainda há muita noite pra hoje.

minha cabeça dói. estalo as juntas, todas que consigo e tento outras que não, buscando um alivio. um descarregamento, talvez. não sei me forçar. não tenho forças pra isso. resolvo sentar e escrever qualquer coisa. não como esperança, mas como quem não sabe o que fazer. e por agora, isso vai ter que bastar.

--

--